2006/08/03

Debussy (2)

Meto-me num táxi. Observo o condutor. Veste uma camisa indescritível. Branca, muito puída, com um padrão verde que não consigo decifrar. Serão pranchas de surf ou folhas de bananeira? Usa uns óculos muito grossos, de massa pretos. Tens ar de serial killer, penso. Não é só em Santa Comba Dão que há serial killers. Em Lisboa também os há. O táxi faz o caminho junto à beira rio. As águas ciciam palavras líquidas e o casario dos bairros antigos aconchega-me. Do rádio do carro chega o som de um concerto para piano que, naturalmente, não identifico. Debussy, parece-me bem. Ui, cada vez me convenço mais que estou a ser guiada por um serial killer. Já estou a imaginá-lo. Pobre coitado, cheio de recalcamentos, originados por uma mãe castradora, má como as cobras, a degolar velhinhas, daquelas que vivem em subúrbios e passeiam rafeiros pequeninos. O sangue das velhinhas a sair em golfadas. Os rafeiros pequeninos a latir. Ele a limpar a navalha ao som de Debussy, momentaneamente liberto da terrível figura materna.