2015/06/20

Líbido

Na altura, a revelação da verdadeira razão da vinda para Portugal da Maria de Lurdes caiu como uma bomba e cobriu de vergonha a minha família goesa. Passados alguns anos, a história está quase esquecida, ninguém fala do assunto. “Acabou por ter sorte, casou com um veterinário de Benaulim, tem um filho e uma filha, muito bonitos, quase brancos, mas continua completamente louca…”, explica o meu pai e, quando pronuncia a palavra “louca”, faz uma cara de nojo que acentua a sua fealdade. “Louca?”, pergunto-lhe, divertida com a conversa. O meu pai parece hesitar, olha fixamente Parvati, a segunda consorte de Shiva, enquanto calça os ténis que comprámos há dois anos em Nova Deli. “É tarada. Só pensa em sexo”, acaba por responder e explica os contornos da vergonhosa líbido da sobrinha. Dotada de um desejo insaciável, uma fogosidade intensa, parece que a minha prima não dá descanso ao marido. O veterinário, de tanto lhe acudir, sente-se esgotado, tão esgotado que até já pediu ajuda ao Marlindo. O Marlindo, também meu primo, psiquiatra numa plataforma no mar do Dubai, receitou-lhe uns comprimidos e, beato, baboso, devoto, mandou-o rezar o terço logo de manhã. Nada fez efeito. “O marido da Maria de Lurdes nem parece o mesmo. Encontrei-o na festa da tia Maria e, de tão chupado, está irreconhecível.”, remata o meu pai e, sem mais, sai para a sua caminhada. Corro atrás dele, custa-me acompanhar a sua acelerada passada. O meu pai é um velho mau e formidável. Ao lado dele, sou feliz; miserável, mas feliz. Caminho e, na noite que cai, sinto-me afortunada pela família que tenho. Há de tudo: ninfomaníacas, deprimidos, maníaco-depressivos, mitómanos e até um primo esquizofrénico. Assim é que é bom. Detestaria ter uma família onde só houvesse gente estupidamente sã, insuportavelmente feliz.