2015/10/05

Boxe

Vários homens caminham à volta do campo de futebol, uns de calções curtos e tronco nu, outros de capuz na cabeça por causa da morrinha que cai. Três rapazes ensaiam movimentos de boxe. Um negro musculado, de torso triangular, exemplifica como se soqueia. É um entendido. Percebe-se pela postura do corpo, também pela precisão e controlo que imprime aos seus movimentos. Para além de entendido, é canhoto. Protege o rosto com o braço direito, com o esquerdo desenha sucessivas semi-elipses. Escrevo a palavra semi-elipses, sem saber se é assim que se escreve, com hífen, e recordo o escantilhão de curvas que no ciclo preparatório usava para desenhar flores de gordas pétalas nos cadernos. O negro repete várias vezes o movimento até que pára a beber água. É a vez dos outros rapazes tentarem. São desajeitados e flácidos. Sinto uma estranha proximidade àquele grupo, aos rapazes que observo da janela do oitavo andar. Dois homens fardados, guardas certamente, encostados a um muro, conversam enquanto observam a lição de boxe. De que se falará no pátio do estabelecimento prisional? A oficial de justiça boceja de aborrecimento. O seu bocejo é um aviso de que o meu recreio terminou. Largo a janela e volto à sala de audiência. A advogada da parte contrária, uma mulher nova e bonita, tem um pequeno piercing no nariz. De Código Civil aberto, curvada sobre a bancada, completamente alheia à beleza que a rodeia, continua a tirar notas. Estranho o furor, tanta diligência. Nunca fui assim.  Abre-se a porta dos magistrados. Vejo o chão alcatifado de um corredor iluminado, depois uns sapatos pretos bem engraxados. É o juiz que finalmente chega.