2015/10/02

Amor

No primeiro dia de aulas a professora pediu que os meninos escrevessem um texto. O Joaquim escreveu assim: “Eu fui passear à chuva à tarde e não avia ninguém só um pescador que parecia mau mas era bom e mostrou-me dois peixes e ensinou-me tamam a pescar e disse que os peixes comen minhocas que fazem um casulo”. Fiquei impressionada com o texto. Mal os mais velhos entraram em casa, cansados dos treinos, imobilizei-os na entrada para que o escutassem. O João, rapaz pouco dado às letras, o sentido prático sempre a vir ao de cima, deu uma moeda ao irmão e prometeu que, cada vez que escrevesse um bom texto, lhe daria um euro. A Madalena, muito doce, a pele coberta de magnésio, parou para libertar o cabelo de grampos e elásticos e depois deu-lhe um abraço apertadinho. À noite, como é costume, o Reinaldo telefonou para saber dos miúdos. Contei-lhe as novidades a fugir e logo perguntei “Queres que te leia a primeira composição que o nosso filho fez?”. “Claro”, respondeu e percebi que a revelação desse facto o emocionava. Fiz um esforço para que a voz saísse cristalina. Enquanto lia para o meu ex-marido, ao final do dia, na cozinha, o gato roçando as minhas pernas, senti-me serena, liberta, feliz por o Joaquim ter escolhido escrever sobre o primeiro dia de chuva, feliz pela alegria sincera dos irmãos mais velhos, feliz por, depois de tudo o que passámos, sabermos partilhar o amor pelos nossos filhos.