2016/02/11

Gato

Enquanto espero que a massa coza, depois de lavar o chão da cozinha e preparar o almoço dos miúdos para amanhã, ponho o cd dos Concertos de Brandenburgo a tocar e abro o livro sobre a bancada de mármore. Leio de pé. Gosto de ler de pé, assim como gosto de ler sentada na minha secretária de trabalho, no banco. Fica o corpo completamente desperto e leio com concentração. Começo a ler, um lápis de dois bicos na mão para sublinhar frases ou apenas palavras. É leitura que me interessa. Estou neste agradável desassossego até que o gato salta do chão e vem sentar-se entre o leitor de cds e o meu livro. Lemos os dois. Escutamos os dois. Eu leio com emoção. Escuto com emoção. Sem sentimentalismo, com contido entusiasmo, mas com emoção. Não sei ler de outra maneira, não sei escutar de outra maneira. O gato não. A sua altivez felina, a aristocrata sobranceria, reconduz-me à minha pequenez, à minha insignificância. Petulante, como se quisesse desmerecer a minha alegria por, ao final do dia, ler enquanto espero que a massa coza, caminha devagar e senta-se em cima do livro. Esqueço a leitura e, com um toque leve, afago o seu peito até o sentir vibrar.