2016/02/03

Periquito

Bebo uma cerveja na varanda da cozinha. O João pana as últimas coxas de frango com cereais moídos e farinha temperada com cominhos, pimenta e sal. O óleo borbulha e o Joaquim anda por ali a cirandar nas pernas do irmão mais velho. Digo-lhe que vá para dentro. Gosto que o João se ocupe do jantar, mas não gosto de frituras, assusta-me o óleo a ferver. Pedi-lhe que fizesse outra coisa, mas o meu filho, maravilhado com os truques da cozinha moderna aprendidos na televisão, insistiu na ementa. Imagino um acidente grave, a frigideira instável, óleo quente a saltar, a pele clara e macia do rosto do Joaquim queimada para sempre. E se, por causa da teimosia do mais velho, acontecesse alguma coisa ao mais novo? Como reagiria eu? Seria capaz de continuar a amar o João como amo? Ou algo se alteraria para sempre entre nós? A ideia de que alguma coisa possa perturbar a nossa felicidade provoca em mim uma terrível inquietação. “ Não ouviste o que disse?”, ralho ao Joaquim e, puxando-o com brandura pela orelha, levo-o para a sala.