2017/01/05

Pombos

 O avô é pequeno, o pai é pequeno, o filho é pequeno. Encontro-os no portão da escola quando, ao fim do dia, vou buscar o Joaquim. Para além de pequenos, são atarracados, gorduchos e parecem estar sempre contentes. Por sorrirem constantemente, numa harmonia que aborrece, fazem-me lembrar um livro de contos do Ricardo Alberty que, em pequena, li muitas vezes: “A cozinha barulhenta”. Adorava as personagens do primeiro conto: D. Petronila, a impante, gordíssima cozinheira, generala do fogão e dos tachos, a ajudante de cozinha, belfa e burra, que insistia em fazer palavras cruzadas, preenchendo erradamente todos os espaços, a velha adormecida na soleira da porta, o rapaz dos recados cujo rosto parecia uma maça camoesa. Em contrapartida, não gostava nada das personagens do segundo conto. Passado à beira mar, falava do encontro entre um menino de cabelos doirados e um anão. O menino era um sonso, já o anão era torto, feio e caminhava pela areia como um caranguejo. Dava gargalhadas sonoras, um pouco velhacas, mas tinha um coração de ouro. No fim, se bem me lembro, ajuda o menino a perceber o significado da amizade ou coisa que o valha. Apesar da sua índole, eu odiava o anão. Irritavam-me as gargalhas, os passinhos curtos, o modo insolente como exibia a desgraçada deformidade do seu corpo. No portão da escola, quando encontro o avô pequeno, o pai pequeno e o filho pequeno, cópias aborrecidas uns dos outros, gordinhos e felizes, lembro-me sempre do anão do Ricardo Alberty. Experimento nessa altura, talvez numa revisitação da minha antiga antipatia, uma vontade inconfessável de os pontapear. Acontece-me o mesmo com os pombos.