Ia pela Avenida de Berna a pensar em certo violoncelista e em certa clarinetista da Orquestra Gulbenkian. O violoncelista faz-me lembrar “ Os dias de abandono”, o conto da Elena Ferrante que mete a um canto a sua restante obra. A clarinetista, tenho quase a certeza, foi minha colega no ciclo preparatório e chama-se Paula. Naquele tempo, parecia uma macaca, era a melhor aluna e tinha uma cadela amarela que se chamava Popsi. As voltas que a vida dá. A caminho do concerto, pensando na minha resolução de fim de ano, a única que tomei, senti-me feliz. Uma vez por mês, já não é mau, vou à Gulbenkian. Escolho um concerto, leio alguma coisa sobre os compositores e, para que os meus ouvidos se habituem, escuto as obras. Assisto aos concertos com um deslumbramento intenso, iniciático, ingénuo, palpita-me o coração, os finais apoteóticos arrebatam-me. Nesses dias, em que me sento sozinha numa das cadeiras do auditório da fundação, adio o momento em que volto para casa, faço o jantar, varro o chão e cuido dos meus filhos. Isso também me agrada. Continuei a andar. Olhei para o pespontado dos sapatos novos e esqueci a tristeza das últimas semanas.
Foi então, já nos jardins, que uma comichão intensa se fez sentir precisamente no meu epicentro, que é, como quem diz, na minha vagina. Apesar da aplicação de pomadas, dos comprimidos vaginais enfiados com um longo aplicador, volta e meia, a candidíase volta. Veio fulgurante, desta vez. Um prurido crescente, explosivo, vindo das entranhas mais fundas, parecia ser capaz de rebentar comigo. Apressei o passo, entrei no edifício. Nas escadas que descem para as casas de banho, duas mulheres, casacos pelos ombros, colares de pérolas sobre blusas caras, conversavam. Ao lado, num grupo animado, uma outra mulher deu uma gargalhada afectada e ajeitou o cabelo num gesto de sedução. Passou, sorumbático, quase cadáver, um dos fundadores do PSD. Imaginei-me no meio daquele gente, desesperada, a rebolar no chão, a meter as mãos dentro das calças, a coçar-me freneticamente como se tivesse pulgas, chatos, carraças. Comecei a rir. Sou uma deprimida que ri muito. O riso, em vez de me aliviar, acicatou a comichão. Desci as escadas, pulando degraus, enfiei-me na casa de banho e acabei com aquele tormento.