2016/05/31

Odeceixe

Em Leiria, enquanto esperava pela hora do julgamento, pernas estendidas ao sol, li outro conto da Lucia Berlin. Estou rendida à sua escrita. “Dor fantasma” fala sobre envelhecimento, demência, velhas senis que se masturbam, velhos que sentem as pernas que já não têm, de um pai que não sabe amar, de uma filha que espera palavras simples que nunca chegarão: gosto de ti, és minha filha e, independentemente das tuas escolhas, do teu sucesso, amar-te-ei sempre. Fiquei paralisada. Sei-o há muito. Escrevo por causa do meu pai, do amor e da mágoa que sinto, para lhe mostrar que valho alguma coisa. É uma fraca razão para se escrever. Corro a contar-lhe se saí uma crítica ao livro (merdoso livro), exactamente como, em adolescente, no liceu e na faculdade, fazia com as notas. Contive o choro e imaginei que deve ser bom chorar no ombro de alguém. No ombro de um pai. Quando o meu pai morrer hei-de escrever sobre a melancia que se partiu em Odeceixe.