Quando se debruça para receber a moeda, apoiando a mão transpirada no vidro, pergunto-lhe quantos anos tem. “Faço vinte e um na próxima semana.”, responde e, ignorando o meu sorriso, a sedução espelhada nos meus novos Clubmaster, segue entre os carros de mão estendida. Usa, como sempre, calças justas e camisola de alças. Em vez dos habituais ténis, traz umas sandálias de couro. Espreito pela janela do carro para lhe ver os pés. Certa vez, deitei-me com um homem mais velho, bonito, bom amante, tive dois orgasmos em pouco mais do que uma hora, mas, quando se levantou, vi uns pés feios, deformados, com dedos esguios, compridos, encavalitados uns nos outros, grandes joanetes. Não voltei a encontrar-me com esse homem apesar de, durante algumas semanas, me telefonar para marcar novo encontro. Sempre que nele pensava, a primeira imagem que me vinha à cabeça era a dos seus monstruosos pés. Imaginava-me na cama sendo pisada por aqueles pés. Decido que se Marina tiver pés bonitos, condizentes com a beleza do seu corpo, na próxima semana, quando fizer anos, ofereço-lhe um exemplar de “ A morte em Veneza”. Debruço-me pela janela, mas só lhe vejo os calcanhares.