2016/05/27

Sichuan

Fiz o pedido ao homem das longas unhas afiadas: frango frito com amêndoas para a Madalena, galinha com castanhas para o João, chop-suey de porco para o Joaquim, uma garrafa de vinho branco para mim. Esperei encostada a uma palmeira artificial. Enquanto lia a ementa, espantosa a quantidade de pratos, o restaurante vazio encheu-se de turistas chineses. Gente ruidosa e alegre, mulheres de cabelos frisados, crianças gordas, homens feios, duas velhas quase carecas. Deviam ser de Sichuan que é a única província da China que conheço. Sentaram-se em mesas redondas, de centro giratório. Um homem sentou-se sozinho numa pequena mesa. O homem fez-me levantar os olhos da ementa. Chamou-me a atenção, não só pelo corpo robusto e musculado, pouco usual nos asiáticos, mas também por trazer na cabeça um insólito boné preto com dois chifres. Nunca o tirou. Sozinho, afastado do grupo, excluído, o minotauro olhava fixamente para uma rapariga sentada entre as velhas carecas.

Passado pouco tempo, ainda só tinham chupado gomos de laranja e sorvido ruidosamente um caldo escuro, os turistas chineses, incluindo as duas velhas quase carecas, levantaram-se e saíram porta fora. A rapariga, ao passar por mim, sorriu-me. Senti nela o cheiro que senti na turista alemã na Sé de Évora. Olhando-a, perguntei-me se, na cama, miaria como uma gata. As chinesas dos filmes pornográficos miam sempre como, se em vez de mulheres, fossem gatas. O minotauro começou a comer. O tempo passou, dez minutos, quinze, até que o homem das longas unhas afiadas trouxe o meu pedido. Ofereceu-me três chupa-chupas e uma pequena porção de hóstias de camarão. Na rua, a caminho do carro, olhei à procura do grupo de turistas chineses. Imaginei que estivessem à porta do restaurante a tirar fotografias. Não estavam. Aliás não estavam em parte nenhuma. Chovia na diagonal e a luz pareceu-me irreal. Senti, como sinto muitas vezes, estar dentro do sonho de alguém. Meti uma hóstia de camarão na boca e voltei para casa.