Atrás da casa amarela, havia um terreno com uma nogueira e um poço. Pelo porte, copa frondosa, folhas largas, de verde vibrante, a nogueira exercia grande fascínio sobre mim. Era diferente das árvores da aldeia: oliveiras, sobreiros, azinheiras, figueiras de ramos tortos. Sentada à sua sombra, apanhando nozes ainda verdes ou olhando-a simplesmente, sentia-me outra menina. Sempre, desde cedo, desejei ser outra Ana. A nogueira, por extraordinário que pareça, tinha esse poder mágico: libertava-me de mim própria, transformava-me, ainda que por breves instantes, noutra criança. Também o poço me atraía. Espreitava a medo para dentro. Acostumados à claridade, os meus olhos demoravam a habituar-se à escuridão. Conhecia, de as ouvir à minha avó, histórias de homens e mulheres que se tinham atirado ao poço. Imaginava um rosto defunto boiando nas águas fundas. Ofélia. Pré-rafaelitas. A ideia de encontrar um morto assustava-me, mas, ao mesmo tempo, excitava-me. Que bom seria quebrar o tédio das férias, largar a correr pelas ruas da aldeia, aos gritos, anunciando uma tragédia! Porém, quando os meus olhos finalmente se habituavam à escuridão, para além das águas paradas e escuras, viam apenas lagartixas e rãs. Sentia uma pontinha de desilusão e levantava os olhos na direcção da nogueira.