2008/03/06

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Acordei sobressaltada com um barulho de rua. Não consegui voltar a adormecer. Pus-me a puxar para fora o sonho interrompido. É uma tarefa delicada. A partir da última imagem consigo reconstruir um sonho. É preciso paciência. Ir puxando o sonho delicadamente com uma pinça, roubá-lo às catacumbas escuras onde dormita e trazê-lo para a luz. São animais estranhos, os sonhos. Deitada na cama, vou olhando as imagens com atenção, procurando pormenores e detalhes, cheiros e cores. A certa altura aparece-me a imagem do meu pai. É normal o meu pai aparecer-me nos sonhos. Só que, desta vez, o meu pai é o James Bond. Eu estou apaixonada pelo meu pai. Não é bem paixão. Sinto-me, isso sim, sexualmente atraída pelo meu pai. Este sonho não tem nada de especial. É banal. Por isso mesmo me aborrece. Tem um significado comezinho: projecto nos homens, por causa da pila, do falo, do pénis, a imagem do meu pai. E é por essa razão que sinto culpa durante o acto sexual. Que miséria. Que falta de originalidade. Pelo menos, podia sonhar-me sexualmente atraída pela minha mãe, pelo meu hamster soviético ou pelo abominável António José Seguro. Mas não. Tinha de me sonhar sexualmente atraída pelo meu pai. É triste ser-se em estereótipo psicológico.