Na Índia, ao contrário de cá, os jornais não trazem mensagens eróticas. Shiva, sempre entretido em cabriolices eróticas com as suas consortes, de lingam erecto, não o permite. Em contrapartida, há em cada jornal uma longa secção de matrimonial. Trata-se, como o nome indica, de uma secção de anúncios de quem procura parceiro para casar. As mensagens são de uma especificidade impressionante. Nunca tinha visto nada igual. As brides e os grooms descrevem-se com rigor e exactidão. Num quadradinho de papel condensam a informação necessária para despertar o interesse de um potencial parceiro: idade, casta, religião, habilitações -desengane-se quem pensa que na Índia são todos uns desgraçadinhos analfabetos, na maior parte dos casos, principalmente nas cidades, o que está em causa é saber se se tem uma especialização ou um doutoramento -, região, profissão, salário e, claro, o tom da pele. Fiquei viciada na leitura daquela secção dos jornais indianos. Por isso, quando a tarde caía sobre a casa de Maina e os esquilos se escondiam nos ramos da mangueira, eu arrastava a cadeira de baloiço para a varanda e entretinha-me a ler os anúncios dos casamentos, tentando encontrar naquelas listas infindáveis correspondências que assegurassem aos noivos um casamento feliz para a vida. Um dia, a Ria, a menina-balão, veio sentar-se perto de mim. Espreitou o jornal e chamou, com a sua voz de trovão, as outras crianças da casa que, entretidas a chupar limas, correram para perto de nós. “Ana Clara is reading the matrimonial! She is looking for an indian groom!”. Ri-me do descaramento da menina-balão e belisquei-a. Depois, passámos o resto da tarde à procura de um noivo indiano para mim.
(Tenho saudades da Índia. Nunca mais chega o Natal para por fim voltar.)