2012/01/19

Aninhas e a graduação do amor (2)

Um dia, maçada com a encenação, sobretudo, aborrecida por aquela pergunta lhe interromper sempre as brincadeiras com as primas, num arroubo de sinceridade, que anos mais tarde não seria capaz de explicar em contínuas sessões de psicanálise feitas com um holandês na Rua de Pedrouços, Aninhas achou que, à pergunta da avó, devia responder com sinceridade. Gostava da avó, apreciava-lhe a firmeza e o protagonismo, mas, parecia-lhe, gostava um pouco mais do avô que sabia jogar ao burro em pé, à bisca lambida e que introduzira a indecência na sua vida.

Quando, naquela tarde, a avó lhe voltou a fazer a pergunta, não hesitou. Gosto mais do avô, respondeu e olhou-a de frente. As amigas estremeceram nas suas cadeiras, preparando-se para a recriminação e para o consolo. A avó ouviu a resposta, passou-lhe a mão pelo cabelo escuro, sorriu-lhe como se a resposta a não atingisse e explicou que apreciava muito a sua frontalidade. Aninhas julgou que tudo continuaria na mesma. Porém, no domingo seguinte, deu-se conta das consequências da sua sinceridade: a avó passara a amá-la menos. O amor, para a avó, exigia subserviência e submissão. A liberdade no amor era intolerável. Nunca mais lhe fez a tal pergunta - gostas mais da avozinha ou do avozinho? - mas, a partir dessa altura, nos lanches de domingo com as amigas, passou a pôr grande entusiasmo nos dotes de Luísa, irmã mais velha de Aninhas, feiota, não muito inteligente, mas muito esforçada. O esforço e a determinação são características habituais das mulheres feias, querem, desse modo, livrar-se da feiura com que nasceram. Raramente o conseguem.

Luísa tinha, sobretudo, muita habilidade com as mãos. Cozinhava, costurava e bordava na perfeição. Terminada a partida de gamão, a avó chamava-a. Levantava-se e, muito satisfeita, mostrava a barra em ponto richelieu que queria aplicar numa toalha de linho que a avó comprara nos saldos na Dinlar. Aninhas, entretida com as brincadeiras com as primas, fingia não notar a cena. Aprendera, desde então, que o amor se pode medir, exprimir-se numericamente através de um sistema métrico com medidas próprias e rudimentares. O amor nunca é incondicional ou absoluto. Aumenta e diminui conforme calha. E termina. Aninhas cedo se habituou à graduação do amor.