2012/01/26

Mãe

Sai do consultório, de dentes novos, muito bonita, não há mãe mais bonita do que a minha, estalo de mulher quando era nova, como o meu pai, tão feio, foi capaz de a conquistar é coisa que ainda estamos por descobrir. Em vez de apanhar um riquexó e ir direita à aldeia, como lhe recomenda o meu pai, passeia sozinha por Margão, labirinto doce de lixo e confusão. No mercado, logo na entrada, duas hijras sorriem-lhe com os seus rostos funambulescos, a minha mãe sorri-lhes de volta, estranhando qualquer coisa, mas desconhecendo, que, por baixo dos saris, uma tem um pénis muito pequenino, mirrado pela toma de poções mágicas, a outra foi castrada em criança com uma adaga benzida por uma feiticeira muito velha. Aventura-se a minha mãe nos corredores do mercado, são serpentinas sem fim, preciso de comprar uma esfregona, sabonetes e um balde novo, o ano passado, recorda, andava, por aqui, às compras com a minha irmã e a Maria e um homem novo saiu do corredor das carnes, veio direito a mim e apalpou-me uma mama, uma mama de velha, a minha mama; fiquei quieta, sem saber o que fazer, um cheiro enjoativo soltou-se do homem e lembrei o dodol que a Maria me oferece pelo Natal, obrigada Maria, muito obrigada, não valia a pena estares com tanto trabalho e, por respeito como a pasta cruenta, escura da jagra, nem um esgar de nojo faço; o homem abocanhando a minha mama, eu a lembrar-me do dodol, um vómito subiu pela garganta; aconteceu no ano passado, pode acontecer outra vez, mas, coisa estranha, não tenho medo, não tenho medo do labirinto de serpentinas, nem das mulheres que parecem homens, nem dos homens que saltam da escuridão, sou uma mulher velha e trago o porta-moedas cheio de rupias.