Ontem, depois de deitar os miúdos, sentei-me a ver “O Fiel Jardineiro”. Não gostei especialmente do filme. A protagonista, Rachel qualquer coisa, é linda. Põe a Scarlet não sei das quantas, sonsa e ordinária, a um canto. O filme não me entusiasmou. Nem me comoveu. É bonita, e desesperada, a imagem quase final da criança que corre sozinha para sítio nenhum. Gostei de ver os ocres e os brancos do lago Turkana, berço da humanidade. Não deixa de ser irónico que as pedras que assistiram ao nascimento dos primeiros homens, milhões de anos atrás, os vejam agora morrer de fome, de sede, de desespero. Pensei-me imune ao filme. E dormi. Hoje, porém, acordei com nojo do mundo. E pela manhã fora essa sensação manteve-se. Um nojo a crescer dentro de mim. Como um bicho. Ou um filho. Nojo dos passageiros do comboio. Nojo dos rostos que espreitam nas revistas e nos jornais. Nojo dos jornalistas, dos psicanalistas, dos psicanalisados, dos advogados, dos chefes, das secretárias, dos subordinados, dos obesos, dos cultos, dos analfabetos. Nojo dos homens ciganos que fumam sentados, enquanto as mulheres vendem filmes, camisolas e malas louis vuitton e distribuem estalos pelas crianças ranhosas que brincam na copa das suas saias. Nojo de mim. Sobretudo de mim. Que os outros pouco me importam. Hoje, se pudesse, fazia uma sabonária de sabão azul e branco e lixívia. Metia-me lá dentro e esfregava-me até ao tutano com uma escova de arame. Lá longe, nas margens do lago africano, as gretas secas e esboroadas continuam ensopadas de sangue.