Acordo com os movimentos da minha filha. Quis dormir comigo. Tento voltar a adormecer. Fecho os olhos. Quero retomar o sonho no ponto exacto em que foi interrompido. Não é todos os dias que os meus sonhos são povoadas por figuras do calibre do Zé Maria. Adormeço. Volto a sonhar. Agora, estou na Amadora. É um lugar mágico, medieval, pouco nítido. Como se fosse uma ilustração de um livro antigo. Sombrio, feito de ruas estreitas, sinuosas, esconsas, que desembocam num largo. Nesse largo há uma torre extraordinária, piramidal. Larga na base, vai afunilando até ao topo. Não está terminada. É feita de rectângulos de pedra enegrecida. Um baluarte com muitas varandas, arcos, ogivas, colunas. A torre assemelha-se a uma réplica da Pequena Torre de Babel, de Bruegel. Em frente da torre, há uma praia, muito pequena, de areia suja, cheia de vidros e de bocadinhos de tijolo. O mar é calmo, terroso, opaco, baço. Dispo-me. Não há ninguém por ali. Avanço. Por baixo da água há um tapete de pedras irregulares e conchas partidas. Ferem-me os pés. A água está morna. Dou um mergulho rápido e saio. Começo a subir a torre pela escada estreita que a serpenteia. Percebo, então, que a torre está apinhada de pessoas que, escondidas nas suas sombras, assistiram ao meu banho, à imersão do meu corpo nas águas sujas daquele mar. Riem. Continuo a subir as escadas. Volto acordar. Sei, porém, perfeitamente o que fiz quando cheguei ao cimo da torre.