2007/06/11

Mosquito

Durante a noite um insecto qualquer, um mosquito pequeno, não maior do que uma pulga, mordeu-me as mãos e os pés. Acordei para me coçar com fúria, arranhando a pele até sangrar. Umas babas pequeninas, violáceas, cobriram-me rapidamente os tornozelos. De uma das vezes que acordei não consegui voltar a adormecer. Fiquei a escutar o silêncio da noite, sentada na cama. O silêncio da noite parece-me sempre terrível por ser, também, o silêncio da solidão. Estava prestes a voltar a adormecer quando senti um bicho, devia ser o tal mosquito-mordedor, pousar no lóbulo da minha orelha. Pensei em erguer a mão com lentidão e, num golpe certeiro, esborrachá-lo contra mim. Porém, antes que o pudesse fazer, o mosquito começou a falar-me ao ouvido. Avisou-me logo, assim de supetão, que estivesse descansada pois não tinha intenção de se enfiar pelo meu ouvido adentro e que também já estava com a barriguinha cheia e, por isso, não me morderia mais. Agradeci-lhe. Depois, pressentindo a minha natureza alcoviteira, contou-me histórias da vida do prédio. Explicou-me que a vizinha de cima, a psicóloga clínica, a que tem um BMW, gosta de dormir nua em lençóis de cetim e que a estomatologista do segundo andar, certa vez que o namorado esteve fora, dormiu com um outro homem, mais velho e careca, que estremecia, com espasmos, cada vez que lhe tocavam nos cotovelos. E continuou por aí fora. Falou-me também da respiração pesada do barão trepador e das frases incompreensíveis que a Madalena grita durante a noite. Era um mosquito muito falador. Voltei a adormecer precisamente quando ele quis começar a falar do que via no meu quarto.