2011/03/04

Marta

Era sempre igual. Cada vez que lhe nascia um filho, fugiam-lhe as palavras e chegava-lhe uma tristeza muito grande. Andava naquilo que tempos. O corpo branco como um cadáver. Não se levantava. Alimentava-se de gemadas muito doces e chás de carqueja que a vizinha lhe trazia para a curar da anemia. Violante, e isto custa a explicar, não se preocupava muito com a tristeza que lhe comia as entranhas, nem com a mudez que lhe selava a boca. Sabia haver naqueles seus padecimentos um carácter transitório. A tristeza vinha, instalava-se nela, levando-a a uma agonia profunda, a um mutismo absoluto. Porém, assim como chegava, partia. Uma manhã, quando menos o esperava, acordava e as palavras estavam todas dentro de si, readquiria o dom da fala e o resto: a alegria de viver. Tinha vontade de beijar os filhos, de lhes mexer nos seus rostos de porcelana com as suas mãos de barro. Arrumava a casa de ponta a ponta. Saltava da cama, prostrava-se de joelhos em frente da imagem de nossa senhora a agradecer o milagre. Depois ia à sua vida, tratava dos filhos, do marido e da casa. Pedia à vizinha que não lhe trouxesse mais gemadas. Tinha a língua encortiçada de tanta doçura. Só uma vez as coisas não se passaram assim e as palavras custaram a entrar-lhe de novo no corpo. Foi quanto nasceu a sua sétima filha: Marta.