É a companhia da minha filha na aldeia. Têm a mesma idade, mas a Bia é robusta e grande. Andam sempre aos segredinhos, gostam de brincar às modelos e às secretárias, fingindo que são adultas, iniciando-se na coreografia de gestos forçados, fazendo beicinho, compondo a voz. O ano passado, andavam elas entretidas a experimentar sapatos velhos, perguntei à Bia se queria ir connosco à praia. A cara, redonda e sadia, de olhos claros, iluminou-se e correu a pedir autorização à mãe, a Maria da Luz, que é da minha idade, mas tem já dois filhos homens. Um deles é militar, esteve numa missão no Iraque e é assim uma espécie de herói da aldeia por ter estado naquela lonjura de areias, ruínas e camelos. A Maria da Luz também tem os olhos claros, mas é feia e desleixada. Usa sempre o cabelo oleoso e faltam-lhe vários dentes. É costureira, mas sem préstimo ou engenho, que a preguiça, tomando-lhe conta do corpo, a impede de aceitar até os trabalhos mais simples: chulear uma bainha ou substituir um fecho. A Maria da Luz gosta é de estar de janela, a olhar a rua, desde a escola primária até ao silos da suinicultura, rindo e falando com a Marisa, a dona do salão, e com a Preciosa que faz queijos e é mãe do Albano por quem tive uma paixão intensa no verão dos meus treze anos. Recordo que interrompia a brincadeira com as minhas primas com a desculpa de ter de ir beber água. Corria à cozinha, cujas janelas davam para os campos, e entretinha-me a olhá-lo no monte do moinho, ajudando o pai. Olhava-o e estremecia só de lhe imaginar o corpo suado, as mãos tisnadas do trabalho no campo, as pernas nuas roçando os fenos, as ortigas, as estevas. Mas a história do Albano merece outra atenção porque o amor que lhe tive foi um amor breve que não passou do desejo e por isso foi perfeito. Volto à Bia.