2011/05/26

Bifidus activo

Rafaela acordou cedo. Com um passo pesado dirigiu-se à casa de banho. Mal acendeu a luz, os bichinhos que se alimentam da escuridão, esgueiraram-se pelas frinchas do rodapé. Ainda tentou esmagar um com o seu pé paquidérmico, mas não consegiu. Sentou-se na sanita de olhos fechados e boca aberta. Sornou baixinho enquanto um jacto de mijo amarelo, morno, afogou os seus sonhos nocturnos. O ruído do filho a abrir as gavetas da cómoda fê-la despertar. Enfiou-se na cabine do duche e lavou-se com um gel de banho cujo aroma era anunciado na televisão como sendo exótico e oriental. Era o cheiro das cerejeiras do Japão que o anúncio prometia. Rafaela não resistia à poesia da publicidade. Por mais que o marido a incitasse a comprar marcas brancas, enchia sempre o carrinho do supermercado com os produtos mais caros que a televisão aconselhava. Dos cereais de fibra com frutos secos aos toalhetes hidratantes para limpar o rabo, das águas minerais com sabores a fruta às bolachas maria com antioxidantes, a sua despensa era um regalo para os publicitários, técnicos de vendas, especialistas em promoções e talões de desconto. Rafaela era um alvo fácil porque, como se costuma dizer, era burra que nem uma porta. Muitas vezes imaginava-se a ser abordada na rua para falar das propriedades do último iogurte com bifidus activo. Havia de falar com segurança das melhorias que notara no trânsito intestinal e também no desaparecimento da sensação de inchamento. Depois, enfiaria uma colher de iogurte pelas goelas abaixo e faria um sorriso encantador.