2011/05/25

Sansão (2)

Sento-me na cadeira. A menina coloca-me um resguardo preto gigante e, por cima, uma toalha cor-de-salmão. Lava-me a cabeça. Com as pontas dos dedos, executa movimentos circulares. Sinto-me nua, exposta, assim, sentada, de cabeça inclinada para trás, com uma mulher jovem a massajar-me a nuca. Há qualquer coisa neste gesto. Não me incomoda escancarar-me numa consulta de ginecologia. Abrir as pernas, sentir uma dedeira em latex, gelada, hirta, a percorrer-me por dentro. É um gesto asséptico e inócuo. Já a lavagem do cabelo sugere-me pensamentos impudicos e secretos. Quando termina a tarefa, a menina que lava as cabeças enrola o turco. Mal me sento, tiro a toalha e começo a secar o cabelo. Volto a olhar-me no espelho. Molhado, o cabelo torna-se ainda mais comprido. Pela primeira vez, consigo fazer uma trança, uma trança grossa, como se fosse a crina de um cavalo. Sempre gostei de penteados fora de moda, que ninguém usa, a não ser as velhas e as inadequadas. Gosto de tranças e de carrapitos, espirais de cabelo cheias de ganchos e elásticos, uma redezinha transparente por cima.


O cabeleireiro chega, por fim. Conheço-o. Não é a primeira vez que me corta o cabelo. Vejo-o muitas vezes, à porta do salão, no intervalo entre dois cortes, a fumar cigarros. Acho-o triste. Nunca o vi sorrir. Está sempre tenso como se, permanentemente, lhe faltasse alguém. Depois de me cumprimentar pergunta, com um sumiço de voz, como quero o cabelo. “Curto, muito curto”. Ele olha-me. Sabe que quando uma mulher arrisca tanto é porque alguma coisa se passa na sua vida. Das duas uma. Ou tem vontade de fechar um capítulo da sua vida e começar de novo, tornando-se numa outra pessoa, ou, então, precisa de se flagelar, de se penitenciar, de se magoar. Cortar o cabelo equivale a uma expiação. Ele senta-se num banco alto, com rodas, e engole uma pergunta qualquer que estava prestes a fugir-lhe da boca. Começa a cortar enquanto cantarola baixinho uma canção. Tesoura em riste, com precisão, vai-me decepando o cabelo. Ceifa-o com golpes profundos. Eu, como quando era pequena, desvio o olhar do espelho oval e começo a contar os vidrinhos de verniz que estão no interior de um cesto de verga.