2009/06/08

Barroco Tropical

Resisti-lhe durante uma semana. Rondei as livrarias do costume de olhos baixos. Agarrei-me à letra encarnada, escrita pelo Nathaniel, traduzida pelo Fernando, escolhida pelo António, sempre elogiado por todos, citado pelo cânone. Sei que o desenlace há-de ser trágico, Hester não pode ser feliz, o amante é um canalha, um fraco, os homens são assim, merdosos, aquela menina há-de ser a sua desgraça. Ontem, porém, sucumbi-lhe. Abri a contracapa displicentemente e topei logo com aqueles olhos escuros vasculhando vá-se lá saber o quê. Trouxe-o comigo. Quem resiste a quem nos olha assim? À noitinha, enfiada na cama, a letra encarnada esquecida dentro da mala, a minha filha apanhou-me a dar um beijinho na contracapa do livro. Ela está habituada a ver-me beijar livros e discos. Até a televisão eu beijo nas raras ocasiões em que o Fausto aparece a cantar. Mesmo assim quis a minha filha ver o objecto do meu entusiasmo. Expliquei-lhe que era angolano, escritor e, sobretudo, giro. Para justificar o meu entusiasmo, disse-lhe que o achava parecido com o Vasquinho, o menino cor de café com leite e caracóis despenteados, que ela ama desde os quatro anos. Não se convenceu. “O Vasco é de primeira qualidade, mãe, este…”, e apontou para a fotografia, “…é para aí de terceira”. Espantei-a do meu quarto. Ímpia. Não aprecio a assertividade da minha filha. Gostos não se discutem.

(Textozinho imbecil onde se demonstra o acerto das palavras alheias.)