2009/06/30

Kindle

Comprei um telemóvel quando saí de casa. Por necessidade. Quando voltei, passados três meses, arrumei-o numa gaveta. Uso-o com parcimónia. Em certas e determinadas ocasiões. Tenho uma agenda de papel para guardar números de telefone. Não sei ler mensagens de voz. Tenho uma máquina fotográfica digital. Tiro muitas fotografias. Só preciso de carregar num botão. Não sei tirá-las de lá. Tenho um ipod e não sei carregá-lo com músicas novas. Há dois anos que corro a ouvir o David Byrne e as tocatas de Bach. Não sei programar electrodomésticos, televisões, leitores de dvds. Não leio blogues. Atravesso os olhos, de viés, pelos dois ou três do costume. Imprimo sempre o que quero ler ou preciso ler. Receitas de bolos, acórdãos, leis, recensões simples de alguns livros que leio. Não consulto sites de jornais, rádios ou televisões. Tenho um computador portátil que me ofereceram pelos anos. Abri a caixa por insistência dos meus filhos passados muitos meses. Está colocado em cima da mesa da sala de jantar. Imóvel. Sou incapaz de o levar para a cama, para o sofá, para uma mesa de esplanada. Tenho um e-mail associado a este blogue e não respondo a quem tem a amabilidade de me escrever. Por acanhamento, mas também por estranheza. Nunca entrei, nunca entrarei, numa rede social, no hi-5, no Twiter, no Facebook. Que se possa gostar de ler livros num suporte que não se sente, não se cheira, não se tacteia, que não serve para guardar fotografias velhas, que não se enche de manchas de café, de lágrimas e migalhas, que é nada, é coisa que me transcende.