Rosa, se soubesses o cansaço que trago no corpo não me olhavas assim, não me chamavas senhor doutor, não me perguntavas pelo dia no hospital, não trazias os cafés queimados que me deixam gosto de cinza na boca. Sobretudo, Rosa, evitavas preencher a agenda até às 9 da noite. Varrias a mundana chatice que roça o traseiro pelas paredes dos meus dias. Livravas-me do miúdo das 8 horas, aquele quezilento, cheio de mimo, que veio cá há pouco tempo por causa de um furúnculo no braço. O que o miúdo gritou. Lembras-te? A mãe, uma baixinha com focinho de porco, a estupidez espalhada pelo rosto suíno, soluçava em voz baixa, como se o filho, um tirano de sete anos, estivesse às portas da morte. Podias inventar-me uma doença, Rosa, qualquer coisa, talvez uma hiperplasia prostática. Tem um nome pomposo, eu sei, mas é um padecimento ligeiro, adequado aos homens da minha idade. O senhor doutor encontra-se doente, havias de explicar com cortesia profissional aos pais, não pode dar consultas nas próximas três semanas. E distribuías os miúdos pelos colegas do consultório. O miúdo do furúnculo podia ficar com o médico novo. Ainda deve ter paciência para aturar os rapazinhos que antecipam para a meninice a boçalidade macha da idade adulta. Se gostasses de mim, Rosa, pegavas-me na mão, levavas-me para tua casa, que cheira à alfazema dos pout-pourris que espalhas pelos móveis de pinho e pelas bancadas de moleano, abrias a cama, corrias os estores, ligavas o rádio naquela estação que passa tangos e canções antigas. Depois, deitavas-te ao meu lado e adormecíamos. Outubro 2007
(Pensei no Luís quando escrevi este texto.)