2008/02/06

Ácido Muriático

Expliquei o meu problema à senhora da drogaria: o cheiro que fugia dos canos e se espalhava pelo apartamento como uma gaze invisível, o cheiro que, logo pela manhã, me afagava o nariz, com mãos pútridas, e me fazia correr à casa de banho para vomitar os sonhos da noite. Escutou-me a senhora da drogaria em silêncio e aconselhou-me ácido muriático. Muito velha, falando de olhos fechados, explicou as vantagens do ácido em relação à soda cáustica. Atrás dela, que me pareceu uma feiticeira cheia de sabedoria, uma pitonisa capaz de resolver os mais intricados enigmas do mundo, prateleiras carregadas de detergentes e diluentes. Mal cheguei a casa corri à casa de banho. Abri o ralo e deitei o líquido para matar o bicho dos canos. Ouvi gemidos de agonia. Tal como avisara a pitonisa da drogaria o cheiro desapareceu imediatamente. Milagroso, pensei. E meti a garrafa do ácido à boca. Fervilharam-me as goelas e o corpo ardeu-me por dentro.