2008/02/11

Mandela

Tive o primeiro diário aos doze anos. Tinha uma chave pequenina, de dentes muito recortados, uma capa nacarada, feiíssima, com uma princesa barroca, dançando alegremente num jardim de arbustos. Lá confessei os pecados de criança, a noctívaga compulsão masturbatória, a chatice rotineira do ciclo preparatório, as precoces discussões com o meu pai que, volta e meia, me enchia de sopapos por eu falar mal do Salazar. Um dia, já não sei a que propósito, resolvi fazer uma lista dos meus heróis. Lá estão: Jesus Cristo, Bryan Adams, Luther King e Nelson Mandela. A ordem, suponho, foi aleatória. Sempre que releio aquele diário, o primeiro, sinto um certo constrangimento, uma vergonha miudinha que me cobre o corpo e me faz enrubescer as faces. Não tenho, porém, vergonha dos dislates juvenis que lá escrevi. Nem sequer renego o amor pelo Bryan Adams. O que me embaraça é a caligrafia redonda de adolescente. A letra de imprensa em detrimento da letra manuscrita, que aprendi a desenhar, elegante e cuidada, com a professora da primária. Pior, em cima do cada “i”, a fazer de pinta, uma enorme bola, muito redonda, muito gorda, muito insuportável. Uma vergonha.

(Em 1990 um dos meus heróis, de menina e de sempre, foi libertado. Descobri nesse dia que se podia chorar de emoção e de alegria e que era bom. Faz hoje 18 anos.)