Vivemos numa época em que a vida se leva como se fosse um anúncio de telemóvel. É obrigatório estar preenchida com conversas animadas e com muitos amigos circunstanciais, com quem jantamos ocasionalmente para falar de filhos e viagens a países distantes, recomendáveis pelos spas dos hotéis e também pelos nativos risonhos e subservientes. Num tempo assim, atafulhado de alegrias e encontros, a tristeza não se confessa. Não se murmura sequer. A tristeza embaraça. Gosto do meu marido por ser a única pessoa a quem posso ligar a meio da tarde só para dizer que estou triste. Estou triste, digo-lhe e o bocal do telefone enche-se de papoilas, flores efémeras, e de borboletas negras que adejam, frágeis, antes de morrer. Ele consola-me com silêncio e um alfarrábio agustiniano que encontra numa venda de rua e me entrega quando chego a casa. O livro, bafiento, cheira ao restolho húmido dos campos de inverno, aos toros de oliveira queimando devagar nas fogueiras, aos rios caprichosos do norte. Cheira à vida e à morte dos outros. Vem o livro embrulhado num saco de plástico do feira nova e esse pormenor, sei, não o hei-de esquecer. Entre as folhas, traz dois postais amarelos do Rio de Janeiro, escritos, numa letra inclinada, por uma mulher chamada Maria Adelaide.