2008/02/19

Cuba

Quando se reformou do banco a primeira viagem que o meu tio Alberto fez foi a Cuba. Veio de lá maravilhado. Não eram só as praias, as mulatas, os mojitos e a música. Gabava sobretudo as maravilhas de um socialismo consolidado: o nível de instrução da população, os cuidados médicos, as escolas, o espírito solidário das pessoas. Quando me atrevi a falar-lhe da miséria do povo cubano, tratou de me olhar com a displicência própria da sua geração - que, como não se cansa de lembrar, fez o 25 de Abril - e logo a imputou ao embargo americano. A verdade é que a esquerda nunca escondeu a sua admiração pelo regime cubano. Atribuiu ao seu líder carisma e fez dele um herói da luta anti-americana. Assobiou, vergonhosamente, para o lado cada vez que apareceram notícias sobre os presos políticos, a censura, sobre os ataques à liberdade de expressão, sobre o sistemático desrespeito pelos direitos humanos. Os povos oprimidos só merecem a solidariedade da esquerda se a sua desgraça puder, de alguma forma, ser atribuída aos americanos. Os outros povos esquecem-se. A esquerda é perita em gerir solidariedades e apoios. Veja-se o caso do nosso José Saramago, homem tristemente preso no seu redil, incapaz de apertar a mão ao presidente Cavaco, mas tão fiel ao amigo Fidel. Só descobriu que Cuba era uma ditadura quando o regime não conseguiu esconder a execução sumária de três homens que procuraram na incerteza do oceano a liberdade que não podiam encontrar no seu país. Esta esquerda, bacoca e senil, sente hoje uma mágoa, um aperto no peito, um não-sei-quê de sincera ternura, perante a anunciada retirada de Fidel Castro da chefia do Estado e das Forças Armadas de Cuba. E continua a gritar “Socialismo ou morte! Hasta siempre comandante!" É estranho. E profundamente triste.