2009/07/23

António Augusto de Aguiar

Vou a um psiquiatra novo. Aborrece-me mudar de psiquiatra. É o sexto que conheço desde os dezoito anos. Há quem coleccione maridos. Eu colecciono psiquiatras. Preferia coleccionar maridos. A primeira vez com um psiquiatra novo custa sempre. Tenho de explicar a razão pela qual estou ali. Não é fácil fazê-lo em meia dúzia de minutos. Exige capacidade de síntese e assertividade. Mal o senhor doutor disser “Então, o que é que a traz por cá?” sairão da minha boca frases em catadupa, tudo ordenado, clarinho como a água, a vida em meia dúzia de linhas sem brilho, o resto escondido atrás das palavras. Tenho sempre a sensação de que não estou a falar de mim. Tristeza, ansiedade, frustração, cansaço, solidão, morte. Toda a gente fala do mesmo. Todos os deprimidos que consultam os psiquiatras da rua António Augusto de Aguiar falam do mesmo. Ser deprimida é coisa que há muito me consome e, sobretudo, humilha. Tenho vergonha de padecer de tal maleita. A depressão é uma doença tão fútil como a anorexia. É um luxo de sociedades onde impera a abundância e o desperdício. As anoréxicas querem ser magras. Os deprimidos querem ser felizes. Uns e outros deviam ser sovados até que a estultícia lhes saísse das entranhas. A Mónica Sintra é anoréxica e depressiva. Fala disso, amiúde, com ar pesaroso e sério, na televisão. Acho que até escreveu um livro sobre o assunto. Mais coisa, menos coisa, estou no mesmo patamar da Mónica Sintra. Não se pode descer mais baixo.
(acabei de ler “A Morte Feliz”.)