Passeava, pela manhã, na avenida, um estranho casal: uma rapariga gorda, que trazia nos braços um cão minúsculo, seguia lentamente, abraçada por um rapaz alto e magro, de rosto delicado e dedos longos. Quem com eles se cruzava achava bizarra aquela parelha: o rapaz bonito, de uma beleza feminina, e por isso excessiva, a rapariga muito matrona, muito pesada, uma deusa da fertilidade pré-histórica tão sossegada e serena, o cão minúsculo nos braços, aninhado nas sua peitaça, latindo de prazer. O rapaz olhava para a rapariga com devoção. Estava apaixonado. Muitos transeuntes voltavam a cabeça para trás procurando perceber a atracção que os unia. Um homem, mais distraído, tropeçou num paralelepípedo solto da calçada e bateu com o joelho numa banca de jornais que caiu com estrondo e espantou os pardais que dormitavam no parapeito de uma janela.
Somos conservadores no que respeita às características físicas dos nossos parceiros. Mais do que em relação ao resto. Procuramos nos nossos parceiros o prolongamento do nosso corpo, dos nossos braços, das nossas pernas. Queremos quem nos complete, quem em nós se encaixe na perfeição, como uma peça de um puzzle. A felicidade, ou parte dela, está nessa harmonia. A adequação física dos corpos é essencial. Um homem bonito com uma mulher bonita. Um homem gordo com uma mulher gorda. Um homem negro com uma mulher negra. Um homem cego com uma mulher cega. Um homem velho com uma mulher velha. Conheço um casal em que o homem e a mulher são de tal modo fisicamente parecidos - baixos, atarracados, rosto quadrado, o cabelo branco e esgrouviado, duas toupeiras andando com passos pequenos – que, durante muitos anos, eu, que os espiava nos corredores do supermercado da D. Rosa, os tomei por irmãos. Dois irmãos comprando cem gramas de fiambre da perna, cortado muito fino, e dois queijos frescos. Quando percebi que eram marido e mulher olhei-os com condenação. Achei-os incestuosos. A atracção dos opostos é coisa que acontece no mundo paralelo dos livros e dos filmes, esse mundo que nunca nos toca, mas sempre paira sobre nós, mostrando-nos a monotonia dos dias. A diferença, ao contrário do que se diz, raramente atrai. Quando a diferença atrai é de forma passageira, uma coisinha absurda que se esgota num instante.