2009/07/02

Benfica

O Renato Manuel gosta mais do Benfica do que gosta de mim. Sobre isso não tenho quaisquer dúvidas. Apesar de negar, eu sei que um golo marcado pelo Simão ou um bom passe do Petit lhe causam sensações mais intensas do que os orgasmos que tem quando está comigo na cama. O amor dele pelo Benfica é tão grande que o impede de pisar qualquer outro estádio que não seja o da Luz. O Benfica pode ter um jogo decisivo contra o Sporting, em Alvalade, que ele, fidelíssimo à Luz, se recusa a pisar o estádio dos leões. É faccioso até ao tutano dos ossos. Na perspectiva dele, o Benfica é a única equipa que é intencionalmente roubada, prejudicada em todos os jogos do campeonato. É como se houvesse uma espécie de complot nacional contra o Benfica. Até na playstation o Benfica é roubado. Cada vez que o oiço falar das arbitragens penso em teorias da conspiração. O ódio dele pelo Porto é quase tão grande como o amor que tem pelo Benfica. Detesta, de um modo visceral, o Pinto da Costa. Compreendo-o neste ponto: o Pinto da Costa é um monstro provinciano e detestável, só comparável ao outro, de nome Jardim, que existe na ilha da Madeira.

Ora, eu nunca liguei muito à bola, mas, em miúda, era do Sporting. O meu pai era do Sporting, o meu irmão era do Sporting, praticava boxe em Alvalade, eu própria cheguei a andar na ginástica rítmica. No entanto, depois de começar a namorar com o Renato Manuel, acabei por mudar para o Benfica. Às tantas, dei conta que, apesar de não ligar nenhuma à bola, conhecia toda a equipa de Benfica: o Paulo Madeira, o Kennedy, o Helder, o Canigia e muitos outros. Achei que, assim como assim, já que conhecia alguma coisa sobre as gloriosas águias de fogo, era melhor ser do Benfica. Sempre podíamos falar sobre o assunto. Há outras coisas que me fizeram mudar de clube. O Benfica é vermelho e quem me conhece sabe bem que se eu fosse uma cor só poderia ser o vermelho. O Renato Manuel também me explicou que o Benfica é o clube do povo e que o Sporting é o clube dos betinhos. Foi tiro e queda. Eu sou pelo povo. Sempre fui. Se há coisa que eu detesto são betinhos. Por isso, como vêem, não tive alternativa. Há pessoas que me gozam e dizem, meio a brincar meio a falar a sério, que não sou íntegra e tal e coisa. Até já me disseram que se pode mudar de partido, mas de clube nunca. Discordo. Primeiro, porque me estou a borrifar para o futebol. Segundo, porque acho que, na vida, podemos sempre mudar. De clube, de partido, de marido, de mulher, de estilo de vida, de opinião, de religião, de gostos, de amigos, de cidade, de país, de forma de vestir, de convicções, de corte de cabelo, de feições, de estilo. Tudo. A mudança não nos torna incoerentes ou menos íntegros. Significa apenas que reflectimos e interagimos com o mundo.

(Texto antigo, escrito no primeiro blogue, que recordo a propósito das eleições de amanhã. O Benfica, desde então, tornou-se num clube tristemente patético e moribundo. A gente apercebe-se dos últimos estertores quando vê como os benfiquistas rejubilam com a vitória no campeonato de futsal. Não tarda nada estão a celebrar os campeonatos de matraquilhos e de ping-pong.)