Voltei a encontrar o visconde cortado ao meio, a metade de homem que mendiga na estação dos Restauradores. Gritava com um outro homem que, inteiro, de pele tisnada, se assemelhava a um espectro. Era óbvio que rondava as poucas moedas arrecadadas durante a manhã pelo homem cortado ao meio. Fico sempre na dúvida. Terá ou não pénis? Em princípio tem pénis para urinar e ânus para defecar. Mas entumecerá o seu pénis? Terá companheira? Haverá quem se deite com o visconde cortado ao meio? No livro do Albert Cossery, Altivos e Mendigos (ou mendigos e altivos, nunca sei), há um homem assim, decepado, que, para espanto dos outros, provoca um ciúme doentio à sua mulher. Cada vez que passo pelo visconde cortado ao meio olho-o de viés, fixando-me nas suas partes baixas. Nada transparece. E se alguém por ali passar e, com maldade, lhe der um piparote, um empurrão? Ficará deitado, desesperado, bramindo ajuda aos transeuntes apressados da avenida que passam a caminho de sítio nenhum.