2007/08/30

Filhos

Deitado na cama, o barão trepador quis saber, ao certo, o que eu fazia no trabalho. Expliquei-lhe com aborrecimento. Que grande seca, mãe. Concordei e, mais uma vez, soprei-lhe ao ouvido que exigia que ele, quando crescesse, fosse médico ou cozinheiro. Aproveitei para, disfarçadamente, lhe cheirar o pescoço e, de raspão, beijar-lhe os lábios. Ele zangou-se com o beijo e disse, peremptório, que médico nunca. Tinha horror a sangue e ao estudo que a medicina exige. Mas cozinheiro, talvez. Sosseguei. No quarto ao lado, a estrelinha da tarde exigia atenções. Enfiei-me com ela na cama. Canta-me canções para adormecer, pediu. Cantei. Uma, duas, três, quatro, muitas. Ela acompanhou-me com um fiozinho de voz. Tão pequena e frágil. Tão feliz. Tão minha filha. Adormeceu no preciso instante em que me preparava para lhe cantar as aventuras de uma certa Etelvina que gostava de andar pela cidade, a semear ventos e a colher tempestades, a meter-se com ricaços, a dizer assim: você que passa de carro, pare aqui a ver se eu deixo, venha cá que eu já o agarro, dou-lhe um pontapé nos queixos. Adormeceu a estrelinha da tarde agarrada a um barbapapa vermelho e risonho. Fiquei só. O melhor de ser mulher é ser mãe.