2007/08/30

Ratos

Duas ratazanas pastavam na relva. Quando anoitece sobre o rio, elas abandonam os juncos lamacentos e passeiam-se pelos relvados que, durante o dia, pertencem às meninas de crocs nos pés, aos rapazes que jogam futebol, aos namorados que soltam beijos nas copas das árvores. Uma terceira ratazana, vinda da escuridão, juntou-se ao grupo. Vinha, folgazã, com pezinhos ligeiros e vontade de aproveitar a frescura da noite. Viram-me os horrendos bichos passar, encolhida, largando gritos tolos, jurando a mim própria nunca mais na vida correr sozinha nos relvados. Muito menos de pernas ao léu. Não se mexeram. Ignoraram-me. Temi que me atacassem. Que desatassem a correr na minha direcção e me mordessem os tornozelos. Apressei-me em deixar os relvados. Atravessei, aliviada, a praça mais barulhenta e bonita do meu bairro. Perto dos caixotes do lixo, um cão vadio, muito magro, farejava os desperdícios. Um homem-breu fazia-lhe companhia. A cara preta de sujidade. O cabelo enfiado dentro de um barrete de cor indefinida. Mãos ferozes, vasculhando os caixotes, os restos, as sobras dos outros. Ignorou-me ostensivamente. Como as ratazanas dos relvados. O cão, porém, olhou-me com olhos doces de mágoa e abandono.