Sinto alguém atrás de mim. Oiço o chiar de uma bicicleta que se move devagar, o rodado em cima da terra batida. Parece crepitar de madeira húmida. O ruído persegue-me durante alguns minutos. “Sabes que corres muito bem?”. Uma voz sussurra-me aquelas palavras. Ignoro. Não olho sequer. Correr exige-me total dedicação. É um homem quem me fala. Montando na sua bicicleta continua. “Também pedalas ou só corres?” Continuo a correr. Não me aborrece que alguém me persiga enquanto corro. Não me incomoda que esse alguém seja um homem montado numa bicicleta. Não me incomoda sequer que esse homem me interpele com tão pouca habilidade e engenho. Incomoda-me, porém, que alguém que não conheço me trate por tu. O tu como prenúncio de uma proximidade futura ou de uma intimidade desejada. Gosto do tu. Reservo-o para os que me são queridos. A única das minhas pessoas que não trato por tu é a Mila. Impaciento-me, por isso, quando o homem da bicicleta me volta a tratar por tu. “Importa-se de me deixar correr sossegada?”. O homem encolhe-se. Espanta-se com o meu pedido. Balbucia qualquer coisa. Afasta-se. Continuo a correr. Gostava de chegar até à galinha do Guimarães. Duvido que alguma vez lá chegue.