Tenho um sul de casas rasteiras. Um monte com um moinho abandonado, um caminho de silvas e estevas secas, com um sobreiro e uma azinheira. As ruínas da minha infância vivem ali, entre as ervas altas da Primavera. O meu sul cheira a porcos. A noite traz um cheiro adocicado, excrementício, que entra pelas janelas e portas abertas. É um sul feito de uma só rua, habitada por gente que conheço e gosto. A tia Maria, com o cabelo já todo branco, sentada no alpendre da casa amarela, no meio de alguidares e bidões velhos, onde planta morangos, ervilhas, favas, tomates. A vizinha Bárbara, de olhos azuis que tem andorinhas nos corredores da casa. A vizinha Teresa, cada vez mais coxa, incansável na arte de falar. Remata cada frase com um “Pois então!”. Foi mãe de duas netas. A Dulce sempre pronta a contar-me as novidades das pessoas da aldeia, mesmo daquelas que não conheço.
O Luís de Vale de Armunha, que ganhou um prémio no totoloto. Comprou um Audi e uma Harley Davidson. Quando entardece conduz a motorizada, cruzando-se com tractores, camionetas cheias de cortiça e de gado, carros carregados da poeira e dos cheiros dos campos. Comprou também dez vacas, de excelente qualidade, numa feira de gado de Barcelona. De repente, apesar do olhar parado, dos dentes de coelho saídos, tornou-se no partido mais apetecível da aldeia. É assim a vida. Há também o Sebastião, a Patrícia, a Joana, irmãos redondos que sabem tocar acordeão. Inchados, fazem-me lembrar a fábula da rã que queria igualar, no tamanho e no porte, o boi. Tanto inchou que um dia rebentou. Qualquer dia os três irmãos também rebentam. Se lhes espetar um alfinete nas carnes gordas rebentarão como balões coloridos de feira.
Há, por fim, a prima Laura, perdida na loucura que herdou da sua mãe, oscilando entre a solidão, a tristeza e a euforia. Tenho sempre vontade de a abraçar. De lhe fazer festas nas mãos gordas, de unhas roídas, maltratadas. Umas mãos que, mesmo depois de lavadas, guardam o cheiro das coisas em que ela toca. O cheiro da terra, das laranjas, dos limões, das linguiças, dos coentros migados para a açorda, dos torresmos, da banha de porco e do pão. É o cheiro do sul e da planície que ela traz nas mãos. Os meus filhos enrodilham-se nas suas pernas, cabriolando. Mal chegam correm ao seu quintal. Eu, quando os vejo, sinto com uma dor no peito. Gosto mais deles por gostarem assim tanto dela. A prima Laura é a única pessoa que continua a tratar-me por Clarinha. Como se eu fosse, ainda, a menina que ali passava os verões, inquieta e desassossegada.
O Luís de Vale de Armunha, que ganhou um prémio no totoloto. Comprou um Audi e uma Harley Davidson. Quando entardece conduz a motorizada, cruzando-se com tractores, camionetas cheias de cortiça e de gado, carros carregados da poeira e dos cheiros dos campos. Comprou também dez vacas, de excelente qualidade, numa feira de gado de Barcelona. De repente, apesar do olhar parado, dos dentes de coelho saídos, tornou-se no partido mais apetecível da aldeia. É assim a vida. Há também o Sebastião, a Patrícia, a Joana, irmãos redondos que sabem tocar acordeão. Inchados, fazem-me lembrar a fábula da rã que queria igualar, no tamanho e no porte, o boi. Tanto inchou que um dia rebentou. Qualquer dia os três irmãos também rebentam. Se lhes espetar um alfinete nas carnes gordas rebentarão como balões coloridos de feira.
Há, por fim, a prima Laura, perdida na loucura que herdou da sua mãe, oscilando entre a solidão, a tristeza e a euforia. Tenho sempre vontade de a abraçar. De lhe fazer festas nas mãos gordas, de unhas roídas, maltratadas. Umas mãos que, mesmo depois de lavadas, guardam o cheiro das coisas em que ela toca. O cheiro da terra, das laranjas, dos limões, das linguiças, dos coentros migados para a açorda, dos torresmos, da banha de porco e do pão. É o cheiro do sul e da planície que ela traz nas mãos. Os meus filhos enrodilham-se nas suas pernas, cabriolando. Mal chegam correm ao seu quintal. Eu, quando os vejo, sinto com uma dor no peito. Gosto mais deles por gostarem assim tanto dela. A prima Laura é a única pessoa que continua a tratar-me por Clarinha. Como se eu fosse, ainda, a menina que ali passava os verões, inquieta e desassossegada.