Corro. Canso-me. Olho para o relógio. Observo os transeuntes que passeiam pelo parque. Um casal jovem beija-se num varandim junto ao rio. O homem da bicicleta volta a aparecer. Quer saber se vou à meia maratona. Mentindo, para me cativar, volta a insistir que corro bem. Agradeço-lhe o elogio. Ele, porventura espantado com o meu inesperado rasgo de simpatia, sorri. Acelera na sua bicicleta. Desaparece numa vereda verde. Ladeada de pinheiros mansos e montes pequeninos. Fico a olhar para ele. Lembro-me, então, de um dos contos da Lídia Jorge. Instrumentalina. Antes de o ler, não sei bem porquê, associava-o a instrumentos musicais. Também à minha tia Adélia, durante muitos anos, enfermeira instrumentista em São José. Instrumentalina. Instrumento. Instrumentista. Volto a olhar o homem da bicicleta. É, agora, um ponto minúsculo e insignificante. Tem a precisa dimensão do que é. Quase nada. Percebo que usa umas calças de nailon. Daquelas brilhantes e justas que parecem colants. Numa cor mortiça e feia. Um verde-bolor a fazer lembrar uma lonjura de águas paradas, sombras e líquenes. Má opção. Um homem deve correr sempre, mas sempre, de calções azuis e t-shirt branca. Mesmo que o céu se enfureça e lhe atire bolas brancas de granizo, velozes como balas.