2007/11/24

Charneca

O João entrou no quarto no preciso instante em que eu chamava cabrão ao Octávio Teixeira que, na antena 1, logo pela manhã, se masturbava publicamente a falar do Hugo Chávez. Lançava o homem jactos espasmódicos de esperma bolorento, louvando a revolução venezuelana, os índices de alfabetização, a reforma agrária e a diminuição da pobreza. O meu filho olhou-me de viés, censurando-me a linguagem. Expliquei-lhe que metade do meu corpo é alentejano, metade do meu corpo gosta de açorda, coentros, poejos e beldroegas, metade do meu corpo sabe jogar ao jangro, metade do meu corpo vive na charneca de terras arenosas onde as alcagoitas ainda crescem entre os tomateiros e uma menina já morta penteia os cabelos longos de uma mãe que se chama Umbelina. Metade do meu corpo, disse-lhe eu, exausta, é alentejano e no Alentejo cabrão não é asneira. “E eu? Também sou um bocadinho alentejano? Também posso dizer cabrão?”, perguntou. Respondi-lhe que nem pensar, que nunca, mas nunca, se atrevesse a dizer cabrão à minha frente. Ter apenas um quarto do corpo alentejano, uma insignificância, não dá direito a tais liberdades linguísticas.