2007/11/09

Rodovalho

Acabo de ter uma decepção profunda ao descobrir que o rodovalho faz parte do grupo dos peixes-chatos. É - imagine-se! - uma espécie de linguado, um peixinho amarelado, cor de tremoço, que se confunde com a areia, de olhitos esbugalhados, um peixe camuflado, um peixe da espessura de uma folha de papel, espalmado como uma panqueca. Ainda não estou em mim. Os romances do século XIX estão prenhes de maravilhosas descrições de jantares servidos em loiças rendilhadas de porcelana, onde as gargalhadas das mulheres se soltam, em cachos pequeninos, por trás dos leques, e os gestos dos homens são sempre corteses e delicados. Volta e meia, em tais banquetes, aparecia-me pela frente um rodovalho. Lia rodovalho e imaginava um peixe imenso, parecido com uma fataça, quase um monstro marinho, assado inteiro no forno, trazido para junto dos comensais numa enorme travessa, uma travessa em forma de barco, acompanhado por batatinhas novas e cebolas anãs. Lia rodovalho e imaginava a carantonha triste do peixe defunto elogiada por um homem elegante de barba aparada. O entusiasmo que a palavra rodovalho me provocava era tal que jurava a mim mesma que um dia, quando crescesse e me tornasse numa mulher frustrada e amarga, havia de escrever um conto chamado “O rodovalho”.