2006/09/07

Aranhas

Da minha janela vejo o antigo edifício da rtp. Durante algum tempo esteve abandonado. Para além dos seguranças, apenas foi habitado pelo sem-abrigo que vive, rodeado de cães, num dos corredores que dá acesso a um parque de estacionamento. Consta que o edifício foi comprado. Parece que vai sem transformado num hotel zen ou coisa que o valha (hotéis zen, cafés lounge, sushi, sashimi, spas, unhas de gel, resorts, viagens temáticas, restaurantes temáticos, depilação a laser, roteiros gastronómicos, in, out, detesto a sofisticação, o pechisbeque do mundo que habito). Durante a última semana vários homens têm estado a montar os andaimes. Usam capacetes, coletes reflectores, cintos, luvas. Têm no rosto os traços do mundo. Africanos, eslavos, portugueses, paquistaneses. Com uma perícia extrema, com calma, montam peça sobre peça. Parecem aranhas. A estrutura cresce como uma teia habilmente tecida. Por vezes, enquanto esperam que outra peça chegue pelo elevador, descansam. Encostam o corpo às vigas de metal e olham para baixo. Observam, sem grande interesse, a avenida que, rotineira, se movimenta. Não sabem que alguém os observa. Acontece-me, por vezes, não conseguir tirar os olhos deles. Montar um andaime não é tarefa fácil. Exige coragem. É como andar à beira de um precipício. Invejo-os. Gostava de trabalhar com as mãos. Gostava de olhá-las e ver nelas calosidades, asperezas, notar-lhes cheiros. Sentir nelas o cansaço de um dia que termina.