2006/09/11

Impulso

Na livraria, enquanto procuro um livro, uma mulher, que acabou de entrar, cantarola. Não cantarola baixinho. Cantarolo alto. Esse é que é o problema. Há sítios, como as livrarias, que exigem sossego. O cantarolar da mulher deixa-me à beira de um ataque de nervos. Juro. O meu primeiro impulso é dizer-lhe “Ò minha puta do caralho, porque é que não vais comprar livros do nicholas sparks para o continente?”. Mas não. Conto até dez. Procura acalmar-me. Tivesse eu um victan à mão e já o tinha posto à boca. Olho em volta à procura de apoio. Nada. Um homem, com a ilustríssima profissão estampada no rosto, chafurda num código qualquer e um velho, de barbas brancas e traços angulosos, folheia um livro de heráldica. Aparentemente ninguém nota aquele cantarolar diabólico. Ou, pior, notando-o, ninguém se incomoda. Acanho-me. A minha irritação traduz-se apenas num olhar fixo e num “ai, ai, ai” ameaçador. A mulher dá-se conta do meu estado de espírito. Sai da livraria calmamente, sem nunca deixar de cantar, numa notória atitude de provocação. Puta. A sorte dela é que, felizmente, eu tenho um controlo extraordinário sobre os meus impulsos.