2006/09/19

Cipralex (1)

O cipralex acabou-se antes do esperado. Eu deixei andar. Dois ou três dias sem tomar o dito medicamento não faz mal a ninguém. Foi o que eu pensei. Sucede que ao terceiro dia sem cipralex comecei a sentir tonturas e náuseas. Leves, levezinhas, como um manto de gaze diáfano pairando sobre mim. Ao quarto dia, para além das tonturas e das náuseas, já evidentes, comecei a sentir tremores, tremeliques e um formigueiro que se iniciava nos dedos dos pés e, coisa estranha, estranhíssima, me saía pela boca. De imediato percebi o que se passava. Era o meu corpo que se ressentia da falta do medicamento. Telefonei, de imediato, para o consultório. A empregada, que julgo chamar-se Cristina, alarmou-se. “Ó doutora, não pode estar tantos dias sem tomar a sua medicação!”, disse ela. Nota: estou-me nas tintas para o meu quase inexistente grau académico, qualquer gato-pingado da Brandoa tem uma licenciatura em direito. Porém, confesso que, nos consultórios médicos, gosto que me tratem por doutora. Sabe-me bem a deferência. Adiante. A Cristina, empregada do senhor doutor, lá fez das tripas coração e por fim, conseguiu marcar-me uma consulta para esse mesmo dia. Fui. Esperei que tempos. Espreitei a avenida, lá fora, tão desinteressante. As pessoas muito certinhas, endinheiradas, assépticas, sem pecados, nem máculas, a sair, em magotes, dos escritórios, dos bancos, das lojas, rumando aos arrabaldes chiques da cidade ou às suas casas do centro com tectos de estuque recuperados e peças de design muito caras compradas nas lojas do bairro alto e do príncipe real.