2006/09/01

Valquíria (2)

A mulher caiu, sem provocar ruído, em cima de uns estofos de pele branca que amorteceram a queda. O seu corpo encaixou-se na perfeição num dos bancos do automóvel. Assim ficou: sentada, as pernas levemente abertas, um braço apoiado na porta, a cabeça caída para a frente, os olhos fechados, como se um cansaço qualquer lhe tivesse tomado conta do corpo. Quem por ali passava não se apercebera de nada. Àquela hora tardia, as ruas começavam a esvaziar-se. Alguns grupos de homens juntavam-se ao balcão dos cafés. Bebiam copos bojudos, grávidos de cerveja, e passavam os olhos pelos jornais desportivos. As poucas pessoas que se cruzavam com aquele carro não se apercebiam que lá dentro estava uma mulher morta que se acabara de atirar do décimo andar de um prédio de escritórios. Parecia apenas adormecida. Outras pessoas passavam aceleradas, com urgência de voltar a casa, e não olhavam sequer para o carro. Não que as esperasse alguém especial ou algo importante. Tinham, tão só, pressa de terminar aquele dia para que outro se iniciasse. Isso conferia-lhes um sentimento, naturalmente injustificado, de imprescindibilidade. Em vez de gente sentiam-se peças metálicas de uma engrenagem que nunca podia parar. Um dia depois de outro. Um dia igual a outro. Sempre na mesma cadência.