2006/11/28

Patchouli

Entro na loja para comprar meias. É uma daquelas lojas chinesas que, como pragas de insectos, invadiram as cidades e as vilas. Um cheiro enjoativo, a patchouli, paira no ar. Atrás do balcão uma brasileira, com a cara marcada de bexigas, olha para as unhas. Tem umas unhas de gel. Umas garras enormes, pesadas, rectangulares, pintadas com brilhantezinhos prateados. Tem a abóbada celeste, vista da Brandoa ou de Camarate, nas unhas. A pavorosa imobilidade do cabelo liso mostra que foi, há pouco, desfrisado. Pergunto-lhe onde estão as meias. Aponta-me para um escaparate que está ali perto e continua a olhar para as unhas. Procuro meias de licra, as mais baratas. Quero aquelas do pacotinho azul que custam só 1 euro cada. Vou espiando a brasileira do balcão. Entre quinquilharia vária, bijuteria barata, colares, braceletes, piercings, brincos, grandes, pequenos, continua estática, olhando as mãos. Finjo escolher elásticos para o cabelo. Aproximo-me do balcão. Percebo então que a brasileira está assim, imóvel, concentrada, por estar a escutar rádio. É uma daquelas rádios religiosas. Uma voz, com sotaque indefinido, fala do diabo e de uma igreja em Camarate. Depois anuncia uma lição do apóstolo Jorge Tadeu sobre autoridade e submissão. O tal apóstolo Jorge Tadeu, na sua lição, volta a falar do diabo. Diz que o diabo é o maior crente. Ui, que medo! Escolho dois elásticos pretos e peço à brasileira a minha conta. Ela desperta do seu torpor com um “oi?”. Pago-lhe e deixo-a em paz, quieta, a ouvir falar de deus e do diabo. Ao sair da loja levo as mãos ao nariz. Tresandam a patchouli. Percebo então que o diabo não cheira a enxofre. Cheira a patchouli e anda a monte.