2006/11/14

Serão

Ontem, ao serão, fizemos um bolo de mel polaco. Não é para qualquer um. Depois, enquanto o bolo cozia, ele foi ver o restelingue (como eu gosto de aportuguesar as detestáveis palavras anglófonas que nos invadem os dias) e eu fiquei com a irmã na cozinha a jogar às cartas. Gritou com o Ray Misterioso e outros mascarados que, assustadores, cabriolam em lutas encenadas dentro de um ringue. Às nove e meia mandei-o para a cama. Refilou. És má, e continuou a dar golpes, murros e socos. Está sempre a falar de um golpe qualquer chamado choque slam. Já vestidos de pijama e enfiados na cama da Madalena, sugeri a leitura da Menina do Mar. Não, que não tem ilustrações!, foi a resposta imediata, e esperada, que me deu. Ignorei-o. Enquanto li a história, o desgraçado do miúdo deitou-se e, de olhos fechados, virou-se para o lado. Julguei-o adormecido, imune à escrita tão bonita e simples da poetisa. Imaginei-o para sempre perdido, um adolescente mentecapto, sempre a falar de bola e de play stations, a gritar yas, bués, fixes, a galar miúdas burras, com um corte de cabelo absurdo. Na vigésima quinta página, interrompi a história e disse-lhes que o resto ficava para amanhã, que é como quem diz, para hoje. Ele levantou a cabeça e protestou. Franziu-me o sobrolho, olhou-me de viés, pegou no livro e esparramou-se na cama dele, de rabo para cima, a lê-lo. Foi a primeiro vez que o João levou um livro para ler na cama. No seu quarto, a Madalena imitou as danças de arabescos da Menina do Mar e exigiu, depois, que eu cantasse à cigana, esganiçadamente, com palminhas e muitos ais prolongados à mistura. (Curto bué os meus filhos).