Na sua crónica semanal sobre cinema, o Paulo Portas fala do último filme do Almodovar. Às tantas, já nem sei a que propósito, descreve um dos planos mais marcantes do filme. Raimunda, depois de um dia de cansaço, lava a loiça ou cozinha (já não sei) no seu pequeno apartamento de arrabalde longínquo. O plano, meia dúzia de segundos, é filmado de cima. O cineasta dá-nos uma visão do mundo que nunca temos. É o olhar de deus. Só deus lá de cima nos vê assim. O Paulo Portas remata o seu parágrafo qualificando as mamas da Penélope Cruz, que se mostram magnificas num decote generoso, como “maminhas peninsulares”. Nem mais. Ora, o plano em questão está cheio de um erotismo doméstico, intenso, que dificilmente se encontra no dia-a-dia. Ali está um peito, encoberto, que treme, que se imagina com o cheiro de um dia de trabalho recozido na pele. É um plano sensual para um homem que o observe. Mas também é muito sensual para uma mulher. Só um homossexual conservador e reprimido, que branqueia a dentadura e usa patilhas à marialva, totalmente imune ao que uma mulher tem de mais bonito, as mamas, poderia descrever, de forma tão frouxa e tíbia, as da Penélope Cruz.