2007/02/13

Raízes (2)

Só depois me lembro do resto. E o resto é muito. Tem o cheiro nauseabundo da miséria e da exploração. Tem o cheiro enjoativo da desigualdade. Tem o travo amargo de um futuro que não se conhece nem se adivinha. Tem o cheiro húmido, que se entranha na pele, dos bolores ancestrais. Mas tem, também, o cheiro da esperança. Na verdade, é complicado ser-se de toda a parte e não se ser de sítio nenhum. É difícil ter tantas raízes. Umas compridas, que atravessam países, mares, fronteiras para fundearem lá longe perto do rio Zuari, onde há quintais com cobras e a claridade do crepúsculo tem a cor da clara do ovo. Outras que se estendem além Tejo, por serranias de giestas habitadas por zorras e homens que matam a sede bebendo por caces de cortiça. Outras raízes que latejam memórias antigas, familiares, cheia de bichos: hipopótamos, jacarés, morcegos, leões, macacos, lagartas leitosas que vivem sob a minha pele. Outras ainda, imaginárias, que eu teço, que eu quero ter, que só por incompetência do destino não são minhas. São raízes que acrescento às reais, que atravessam o atlântico para se apaziguarem num lugar onde todos, ou quase todos, são como eu, mestiços.