2007/02/09

Velho

Todos os dias o filho vem trazê-lo. O homem ali fica, sentado sobre a laje fria, encostado a uma das colunas da entrada do edifício. Passa o dia inteiro, com a mão estendida, pedindo uma moeda para comer. Às vezes quando o frio esmorece, descobre a cabeça e deixa visível um enorme bocado de carne, uma bola mole, uma verruga gigante. Porventura quererá com esse gesto compadecer os transeuntes que passam ou, então, justificar a sua presença diária naquele sítio. A D. Bia, a gueixa ruiva da 5 de Outubro, enquanto remexe nas suas coisas, vai dizendo que é uma pouca vergonha, que o pobre do velho já deve ter o cu calejado, que anda uma pessoa a criar um filho para ter uma besta destas (refere-se ao filho do velho). Aprecio, sempre apreciei, a linguagem desta mulher. Gosto especialmente de a ouvir falar do filho, de uma feiura inenarrável, e do marido, levemente idiota. Durante o fim-de-semana, o velho não está ali. A cidade morre ao sábado e domingo. Em vez de o trazer para a avenida, o filho leva-o para as chegadas do aeroporto. Deixa-o estrategicamente sentado ao lado das máquinas do parque de estacionamento. Ao final do dia vai recolhê-lo. O velho segue-o, os olhos colados no chão, titubeante como a luz que uma vela que está prestes a apagar-se.